terça-feira, maio 29, 2007

João Lúcio e o seu Chalé Marim

Fiquei impressionado com a visita ao Chalé Marim, também denominado de chalé, museu e ecoteca João Lúcio. Por bons e maus motivos.
João Lúcio nasceu em Olhão, em 1880, cedo mostrou queda para as artes e a poesia, sendo considerado um dos melhores poetas algarvios de sempre, . Também cedo se tornou num dos melhores advogados da região e um político de notoriedade.
Era um homem místico, sonhador e que gostava de gozar a vida. Adorava a natureza e particularmente o Algarve, que serviu de inspiração à sua criação poética.
A reserva natural da Ria Formosa, onde está instalado o parque de campismo, pertencia aos pais de João Lúcio, pois, da N125 à praia, aquilo, era tudo deles.
Foi nesses terrenos e afastado da vila de Olhão que João Lúcio construiu o Chalé Marim, em 1916. Dizem que te-lo-à feito por ter tido necessidade de algum isolamento espiritual, na sequência de uma grande tragédia familiar, a morte do seu filho varão, que a avó, senil, atirou duma janela abaixo.
Como a uma tragédia nunca vem só, João Lúcio pouco usufruiu da habitação, 2 anos após a construção perdeu a vida à custa da gripe pneumónica. Tinha 38 anos.

O Chalé Marim é um expoente máximo da arquitectura simbolista nacional. Em forma cúbica, sem frente, nem traseiras e com quatro entradas voltadas para os pontos cardeais. Cada entrada tem uma forma diferente - serpente, violino, viola e peixe - que, por sua vez, representa os 4 elementos fundamentais: ar, terra, fogo e água. O interior da casa é simétrico, com 4 compartimentos iguais em cada piso e uma grande varanda a toda a volta. O Hall, no centro, é aberto até ao tecto, onde há uma clarabóia em forma de cone e que emerge pelo terraço, um imenso espaço que cobre toda a casa e donde se alcança uma vista fabulosa.

O que é lamentável, e aqui vem a minha impressão negativa, é que este património esteja tão maltratado, senão vejam. Depois de muito tempo abandonado pelos descendentes de João Lúcio, estes, decidiram doar todo o seu espólio ao município.
Nessa transição, a casa foi restaurada mas sem que fosse feito o devido levantamento ou uma memória descritiva de como tudo era originariamente. Apesar de se manter intacta a estrutura e as fachadas principais houve muita informação que se perdeu. Não se sabe onde se situava a cozinha, por exemplo.
Nessa altura, também, houve muita gente que aproveitou a oportunidade para levar consigo muitos dos poemas originais de João Lúcio que assim se perderam. O recheio da casa também desapareceu, entretanto.

Hoje este espaço, cuja vista vale a pena nem que seja apenas para observar a vista de cima do fabuloso terraço, está praticamente abandonado à sua sorte.
É dirigido, diria que estoicamente, por uma só pessoa, a senhora que nos conduziu a vista. Tem apenas mais dois funcionários, incluindo a empregada de limpeza.
Está fechado aos fins-de-semana!
Está sob a responsabilidade de três entidades ao mesmo tempo, a Câmara local e mais dois institutos públicos.
Não sabem muito bem para que deve servir, sendo actualmente ocupada com os raros objectos que pertenceram a João Lúcio e foram conservados, com um núcleo museológico de Olhão e com uma Ecoteca. Uma espécie de 3 em 1.
Necessita de obras urgentes com muros e paredes a ameaçar ruir a qualquer momento. Vejam só: uma das paredes do muro das escadas de uma entrada, na parte de fora, estava "segura" por uma fita adesiva, nem mais, nem menos. Até já tinha havido acidentes com vistantes.
Um retrato desolador e que é bem o espelho da forma irresponsável como o nosso país trata das suas coisas, o seu património histórico cultural.
Não fossem os descendentes de João Lúcio terem imposto como condição da doação a utilização do edifício como museu e já ali tinha nascido um atractivo e sem dúvida espectacular restaurante a resolver todas as maçadas.

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