quinta-feira, abril 24, 2008

Cale-se

Estas imagens são tão belas quanto brutais. Estávamos em 1973, durante a ditadura militar no Brasil, nos chamados anos de chumbo". No show, Chico Buarque e Gilberto Gil foram proibidos de cantar Cálice, uma das canções mais marcantes da obra (política) de Chico. E Ana de Amsterdão, também. Eram as bestas da censura.
Não quiseram saber e começaram a trautear a melodia. Chico canta apenas o refrão: "Cálice". Que queria dizer cale-se. Ele não disfarça esse sentido implícito, ao contrário, acentua-o.
Quando Chico vai para cantar o resto, o som é desligado. Ele bate no microfone e grita "o meu som!". O público, também, protesta. O ambiente é tenso. Ao menos, na gravação o som foi recuperado.
No youtube, este vídeo já leva 121 comentários, o que se compreende pelo significado que tem o documento. Como bónus, ainda há fotos desse período conturbado, onde vemos Raul seixas, Gal, Bethania e outros, na tempo do power flower.
Dedicado à memória do nosso 25 de Abril de 74. Liberdade. Sempre!




A letra censurada, que apesar de não cantada, então, ouviu-se como nunca:

Cálice

Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

Como beber dessa bebida amarga
Tragar a dor, engolir a labuta
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta
De que me vale ser filho da santa
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta

(refrão)
Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada pra a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa

(refrão)

De muito gorda a porca já não anda
De muito usada a faca já não corta
Como é difícil, pai, abrir a porta
Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homérico no mundo
De que adianta ter boa vontade
Mesmo calado o peito, resta a cuca
Dos bêbados do centro da cidade

(refrão)

Talvez o mundo não seja pequeno
Nem seja a vida um fato consumado
Quero inventar o meu próprio pecado
Quero morrer do meu próprio veneno
Quero perder de vez tua cabeça
Minha cabeça perder teu juízo
Quero cheirar fumaça de óleo diesel
Me embriagar até que alguem me esqueça

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