quinta-feira, dezembro 21, 2006

Histórias de Natal

O Natal sempre foi uma altura predilecta de concertos do coro. O sentimento de solidariedade que se instala condiz bem com a música coral. É por isso que o advento é tão recorrente nos compositores deste estilo.
Nunca hei-de esquecer aquele que para mim foi talvez o momento mais belo que tive com o coro.
Estávamos em Praga, na República Checa,onde tínhamos participado no "XII International Festival of Advent and Christmas Music" da Cidade de Praga (República Checa) e com a honrosa distinção de medalha de prata.
Praga é uma cidade encantadora, que parece tirada de contos de fadas. Estávamos a iniciar o mês de Dezembro e as ruas já estavam repletas de enfeites e iluminações, muito vistosas e lindíssimas. Um frio de rachar. E era a nossa última noite naquele lugar fantástico.
Andávamos por ali a vaguear pela praça principal, a chamada praça do relógio, onde se chegava depois de passar uma ponte magnífica, cheia de ricas estátuas, que, segundo se dizia, traziam felicidade a quem sobre elas colocasse a mão por alguns segundos.
Sem saber bem onde ali poisar, a certa altura, juntámos-nos à beira dum pinheiro de natal gigante, que aquela praça ostentava, rodeada de edifícios e catedrais carregados de história. Como sempre as meninas queriam que cantássemos ali qualquer coisinha. O hábito do costume. Os homens hesitavam e não queriam, como sempre, também. Mas, timidamente, e assim como quem não quer a coisa, lá foram saindo os acordes e melodias dum Away in a manger. Enquanto cantávamos, contemplávamos de perto aquele majestoso pinheiro. No fim, quando nos virámos para trás, já tínhamos espectadores interessados. Turistas curiosos.
Engatámos e daquele momento sem jeito fizemos a melhor jam section de que tenho memória. Provavelmente. Não tinha sido programado, de facto, éramos poucos, pois, grande parte do coro e o maestro ficara no Hotel ou noutro lugar. A direcção musical estava ao nosso cargo.
Assim, foram-se abeirando ali dezenas de pessoas, de múltiplas cores, nações e continentes, que a pouco e pouco nos rodearam e ouviram com atenção e curiosidade. Agradecendo cada canção com entusiásticos aplausos. E ouviram de tudo, desde espirituais negros, música de Natal até ao nosso mais popular Tia Anica de Loulé.
Às tantas, começamos a pensar que aquilo podia dar umas coroas. - E se puséssemos um chapéu. - Dizia a rir-se a Ana.
Nisto, alguém do público, apercebeu-se, não sei como, daquele nosso embaraço e veio ela própria pôr um chapéu à nossa beira, no chão.
Pé ante pé, um a um, aquela gente foi depositando a sua oferenda. No instantinho fizemos 30 contos, com alguns dadores verdadeiramente generosos. Depois fomos curtir a noite, afinal aquilo era a terra da boémia.
A memória do coro ficou ali para sempre gravada naquele lugar. Foi um momento mágico e sublime. Irrepetível? Não, não quero acreditar que seja.

(nota: publicado originalmente no Coro de Câmara de S. João da Madeira e para aqui adaptado e corrigido)

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